Potencial da IA em
África "em sério risco
de descarrilar"
por "medo dos
governos" - especialista
19.03.2024 -
O líder do Grupo de
Peritos em
Cibersegurança da União
Africana disse à Lusa
que o potencial de uso
da Inteligência
Artificial (IA) em
África "está em sério
risco de descarrilar, e
quem o fará descarrilar
são os governos
africanos, por medo".
"Como em muitas outras
coisas, há um grande
potencial para a
utilização da IA em
África. No entanto, esse
potencial está em sério
risco de descarrilar. E
as pessoas que o farão
descarrilar são os
governos africanos, por
medo", afirmou em
declarações à Lusa a
partir de Abuja, a
capital nigeriana,
Abdul-Hakeem Ajijola,
presidente do Grupo de
Peritos da União
Africana (UA) que
desenhou a Convenção de
Malabo sobre o uso ético
da IA no continente.
"Quando surge uma nova
tecnologia, a primeira
tendência de muitos dos
nossos líderes é
proibi-la, pará-la ou
restringi-la. Ainda
temos países em todo o
continente e, de facto,
em todo o mundo, onde a
Internet é regularmente
desligada", acrescentou
o especialista nigeriano
em cibersegurança,
comissário da Comissão
Mundial para a
Estabilidade do
Ciberespaço (GCSC) e
membro do gabinete das
Nações Unidas para os
Assuntos de Desarmamento
(UNODA), entre outras
funções em várias
organizações
multilaterais.
Segundo o especialista,
"tudo isto se deve ao
medo e não se trata de
segurança nacional, mas
sim da segurança dos
regimes, da segurança
dos detentores do poder,
não da segurança dos
sistemas ou do bem-estar
do sistema".Abdul-Hakeem
Ajijola começou a
trabalhar há 14 anos com
a União Africana (UA)
num quadro regulatório
para a utilização da IA
em África, que haveria
de ser adotado pela
Assembleia da
organização pan-africana
em Malabo em 2014, mas
apenas com a assinatura
da Mauritânia, em maio
do ano passado, atingiu
o número mínimo de
países signatários -- 15
em 55 estados-membros da
UA, entrando em vigor no
mês seguinte.
Entre os países
africanos lusófonos,
assinaram mas ainda não
ratificaram a
Guiné-Bissau e São Tomé
e Príncipe."Foi uma
longa jornada e ainda
estamos a percorrê-la,
porque, apesar de 15
países terem aderido à
Convenção de Malabo,
precisamos de um número
muito mais elevado",
afirmou Ajijola.
Por outro lado, "agora
que foi aceite por um
número mínimo de países,
a primeira coisa que tem
de acontecer é ser
atualizada", acrescentou
o líder do grupo de
peritos que preparou o
documento, porque "muita
tecnologia mudou e, sem
dúvida, muito do
pensamento em África - e
em todo o mundo --
mudou"."É necessário
proceder a uma revisão
urgente", para o que "é
preciso que a UA crie um
grupo de trabalho ou uma
entidade encarregada de
fazer avançar o projeto
e resolver problemas de
implementação, criando
as parcerias
necessárias", disse.
Mas caberá sempre aos
Estados a
responsabilidade de
modificarem um texto,
que "é recuperável, não
é obsoleto no sentido em
que o continente terá de
começar de novo, mas
que, claramente, tem
algumas coisas que
precisam de ser
atualizadas", sublinhou
Abdul-Hakeem Ajijola.
A Convenção de Malabo é
um texto "abrangente",
na expressão de Ajijola,
que "não inclui
diretamente" as
diretrizes e princípios
da Organização das
Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO, na
sigla em inglês) sobre a
utilização ética da IA,
porque não entra nos
pormenores adotados pelo
documento daquele
gabinete das Nações
Unidas em 2021, "mas
permite esse tipo de
evolução", segundo o
especialista nigeriano.
O quadro de diretrizes
da UNESCO relativamente
à utilização ética da IA
assenta nos princípios
gerais do respeito,
proteção e promoção dos
direitos humanos, das
liberdades fundamentais
e da dignidade humana;
na convivência da
humanidade em sociedades
pacíficas, justas e
interligadas; na
promoção do ambiente e
ecossistemas saudáveis e
na garantia do respeito
pela diversidade e
inclusão.
O próprio continente,
sublinhou Ajijola,
"publicou algumas
diretrizes e princípios
sobre a IA e pode
aceitar algumas das
diretrizes éticas da
UNESCO". Essa "seria
mesmo uma das áreas de
interesse" da revisão da
Convenção de Malabo,
apontou o
especialista.Sobre a
questão da IA e da sua
regulamentação, fez uma
analogia: "é como o sal
na sopa. Se pusermos
demasiado sal, a sopa
deixa de ser comestível.
E se não pusermos sal
suficiente, fica
intragável".
"Embora precisemos de
regulamentação para a IA
e para muitas das novas
tecnologias emergentes,
temos de evitar ser
demasiado rigorosos,
trata-se de alcançar a
combinação ideal de
regulamentação",
acrescentou Ajijola."Enquanto
africanos, precisamos de
desenvolver a nossa
própria filosofia,
princípios e ética para
a IA", e "abordar
proativamente os
desafios de moldar a sua
governação", porque "o
seu potencial para o
desenvolvimento
inclusivo e sustentável
do continente é imenso",
disse ainda.
"É muito importante, não
só no domínio militar,
mas em todo o lado, que
África se envolva no
diálogo necessário para
definir os seus
princípios, ética e
filosofia, enraizados
nas suas próprias
culturas e não baseados
nos interesses dos
vendedores de
tecnologia. Só então
poderemos realmente
aproveitar o poder da IA
sem preconceitos, tanto
para aplicações civis,
como militares",
sustentou Abdul-Hakeem
Ajijola.
APL // VMLusa/Fim